Maio Roxo: Fibromialgia: conhecendo o tratamento com canabinoides

De jaqueline

Maio Roxo traz o alerta para as necessidades de atenção dos pacientes que convivem com doenças imunes e inflamatórias

A fibromialgia é uma síndrome – um estado de saúde complexo e heterogêneo – que se caracteriza por dor muscular crônica que atinge uma ampla extensão do corpo e atrapalha muito o dia a dia de quem a possui, tirando a disposição para as tarefas diárias e reduzindo toda e qualquer qualidade de vida, pois ninguém gosta ou quer sentir dor.

Os números da doença, como o fato dela ser frequente na população brasileira, estando presente em cerca de 2% a 3% das pessoas. Atinge ambos os sexos, acometendo mais mulheres que homens (aproximadamente 8:1) e costuma surgir entre os 30 e 55 anos, porém, existem casos em pessoas mais velhas e também em crianças e adolescentes.

O diagnóstico da fibromialgia é exclusivamente clínico, ou seja, está dependente do conhecimento e da avaliação do médico. Em média, o diagnóstico final da doença pode estender-se por até alguns anos, pois, além da dor, é importante avaliar a gravidade dos outros sintomas como fadiga, distúrbios do sono, do humor, da cognição e o impacto destes sobre a qualidade de vida do paciente. O sono não reparador determina que o paciente acorde sentindo-se tão cansado quanto antes de dormir e pode também ocorrer a interrupção do ciclo de sono com prejuízos para a sua retomada (insônia terminal) em consequência da intensificação dos quadros dolorosos. Junto à vivência dolorosa e os distúrbios do sono da fibromialgia somem-se os prejuízos das relações de sociabilidade como distúrbios do humor, ansiedade e quadro depressivo. Outra possibilidade é a associação da fibromialgia com outras doenças endócrinas como o hipotireoidismo.

Teorias acerca dos mecanismos originários da doença mais aceitas atualmente envolvem um desequilíbrio entre percepções dolorosas e os mecanismos de modulação de vias aferentes, nervos condutores do sinal doloroso até o cérebro. Contudo, explicações multicausais, incluindo mecanismos psicossociais, estão descritos na literatura médica.

Uma combinação de tratamentos medicamentoso e não medicamentoso é recomendada a fim de reduzir ao máximo os sintomas. Há analgésicos, relaxantes musculares, neuromoduladores e antidepressivos, além de outros fármacos recomendados associados ao exercício musculoesquelético aeróbico, alongamento, fortalecimento muscular, reabilitação, aliados ou não a um suporte psicoterápico. Cada caso é um caso e somente o médico poderá direcionar o tratamento mais adequado. A meta é aliviar os sintomas. A fibromialgia não traz deformidades ou sequelas nas articulações e músculos, mas os pacientes apresentam uma má qualidade de vida.

Medicina canabinoide

É exatamente aí, com foco na qualidade de vida, que os Produtos Medicinais de Cannabis vêm sendo utilizados na esperança de bons resultados para os fibromiálgicos.

A literatura científica mostra a teoria de que em determinadas condições clínicas, e a fibromialgia é uma delas, o Sistema Endocanabinoide – sistema que mantem o equilíbrio funcional do corpo, regulando todos os demais, especialmente o Sistema Nervoso Central (SNC) e Periférico (SNP) – está descompensado, apresentando uma funcionalidade aquém do normal. Isso é verificado quando se quantifica uma substância produzida por ele que é a Anandamida. Então, todos nós necessitamos de uma quantidade equilibrada de Anandamida circulante para que as funções orgânicas se mantenham em estado saudável. No estado de fibromialgia, a quantidade de Anandamida, segundo essa teoria, estaria em deficiência, por isso a instalação e a permanência da doença.

A fim de resgatar o organismo da doença e trazê-lo para a homeostase (equilíbrio funcional), a recuperação seria através do uso de fitocanabinoides como o Canabidiol (CBD) aliado ao Tetraidrocanabinol (THC), presentes em produtos de Cannabis. Diretrizes europeias, americanas e brasileiras recentes recomendam que o tratamento para a fibromialgia deve focar o alívio da dor e da fadiga, tornar o sono mais produtivo e resgatar a qualidade de vida.

Evidências recentes sugerem os Produtos Medicinais de Cannabis como efetivos na terapia para fibromialgia. Seus fitocanabinoides interagem com o SNC através de proteínas receptores instaladas nas membranas celulares e moléculas sinalizadoras, produzindo efeitos analgésicos.

Acompanhe comigo alguns resultados recentes de pesquisas envolvendo pacientes portadores de fibromialgia e tratamento com fitocanabinoide: o primeiro ensaio randomizado, duplo-cego e controlado por placebo utilizou o medicamento Nabilona – Cesamet, EUA – um canabinoide sintético com base em THC. O grupo de tratamento (20 pacientes) apresentou reduções significativas da dor e ansiedade. Num segundo ensaio randomizado, cruzado comparando a Nabilona com o medicamento amitriptilina mostrou que o derivado de Cannabis foi superior quanto à melhora da qualidade do sono de pacientes com fibromialgia e insônia crônica, mas ineficaz quanto à melhora nos quesitos dor, humor ou qualidade de vida.

No Brasil, um ensaio clínico duplo-cego, randomizado e controlado por placebo foi conduzido durante 8 semanas a fim de determinar o benefício de óleo de Cannabis rico em THC sobre sintomas e qualidade de vida de 17 mulheres com fibromialgia na cidade de Florianópolis/SC. O grupo de tratamento descreveu melhoras significativas na dor, fadiga e qualidade de vida (avaliado pelo escore de FIQ – questionário direcionado à análise do tratamento da fibromialgia) e no grau da depressão.

Estudos observacionais recentes também têm trazido resultados como o realizado com 102 pacientes consecutivos com fibromialgia sob tratamento convencional analgésico mais extrato de óleo de cannabis. O grupo de tratamento afirmou ter melhorado em 44% nos sintomas gerais de fibromialgia (escore de FIQ) e 33% com relação à qualidade do sono.

Em um grande estudo israelense (367 pacientes fibromiálgicos entrevistados) com 6 meses de duração, a análise mostrou segurança e eficácia dos produtos de Cannabis. A intensidade da dor passou da mediana de 9 para 5 e 81% afirmaram ter atingido o objetivo do tratamento com ganhos na qualidade de vida.

Em recente publicação (2021), 38 pacientes italianos portadores de fibromialgia (36 mulheres:2 homens), em média com 56 anos de idade e resistentes ou intolerantes às medicações convencionais (tais como Tramadol, Amitriptilina, Duloxetina e Pregabalina) receberam Cannabis Medicinal em óleo como terapia adjuvante por até 1 ano. Os resultados mostraram que o tratamento com Cannabis Medicinal foi eficaz na redução da intensidade da dor; aproximadamente metade dos pacientes relatou eficácia com 34% optando por continuar a terapia. Confusão mental foi descrita inicialmente, mas desapareceu após a continuidade do tratamento. Não houve melhora quanto à ansiedade e depressão.

O uso de Canabinoides no tratamento da fibromialgia vem se destacando, mas ainda está distante de trazer resultados homogêneos e decisivos. O importante é ficarmos de olho em mais e mais pesquisas para conhecer todo o seu potencial.

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